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sábado, 13 de outubro de 2012

Sobre a maternidade e a onco-hematologia pediátrica.

Antes de mudar para Brasília eu estava terminando a residência em Hematologia Pediátrica. Basicamente leucemias, outros tipos de câncer e algumas outras doenças capazes de fazer uma criança sofrer. Muito.

Os vários tipos de câncer infantil, em especial as leucemias agudas, apresentam hoje um bom índice de cura. Mesmo assim, em um ano vi mais crianças morrerem do que conseguiria contar. Mais do que eu precisava ver. Nunca fui indiferente a esses óbitos, mas foram poucos que me fizeram derramar mais do que umas poucas lágrimas, às vezes mais pela dor da mãe que pelo descanso da criança. Algumas eu não consigo recordar o nome, outras marcaram mais. Foi o caso da Beatriz, que fez e me entregou essa cartinha achando que estava indo embora de alta. Pouco depois fez uma febre que suspendeu a ida para casa. Morreu de choque séptico no dia seguinte.

  
A morte da Bia  me trouxe uma tristeza imensa, seguida de um quadro depressivo. Era quase a época da mudança. O recadinho dela está pregado no meu mural para que eu nunca esqueça de que a vida pode ser tão frágil.
Desde que o Vinny nasceu eu sou atormentada por imagens de crianças que eu vi morrer. Morrer no sentido de presenciar o último suspiro do menino em fase terminal, na beira do leito. Ou de assistir ao fim da luta pela vida de uma criança ainda com bom prognóstico, cessadas as tentativas de reanimação. São flashs terríveis que surgem quando ele está de olhos fechados, dormindo. Muitas vezes eu choro.

Lembro que na época eu ficava indignada com as mães que, lá pela terceira recidiva da doença, quando as possibilidades terapêuticas se esgotavam, ficavam com suas crianças internadas fazendo quimioterapia paliativa até o último dia ao invés de dar um final de vida mais digno aos seus filhos. Quando saiam do hospital, era pra ir atrás de curas alternativas tipo aquele João de D'us aqui de Abadiânia.

Hoje, durante mais um desses flashs, me peguei pensando: quem é que desiste de um filho? Quem é que não se apegaria a uma última chance, mesmo que a possibilidade de dar certo fosse uma em cinco milhões? Quem não faria o possível para aumentar o tempo em apenas mais um dia?
Isso vale para os pacientes em câncer terminal, mas também para as mães de viciados que meu pai tanto condena por darem 3.587 chances a seus filhos que tantas vezes as enganaram. Eu desistiria? E os pais leigos que recusam  a doação de órgãos nas UTIs por acreditarem num último milagre? Como julgar?

Embora eu ainda seja mais da linha do Make a Wish, e ainda de largar tudo e passar um tempo de qualidade (é fácil para quem é da área e tem a real noção das possibilidades), agora entendo quem opta pela outra opção: esticar o tempo o quanto der.
Eu não conhecia tudo que elas tinham vivido. O som do primeiro choro. O primeiro sorriso. O primeiro abracinho. A cumplicidade da amamentação. As dificuldades em alimentar. As horas simplesmente assistindo dormir. O tempo que passamos somente admirando o pequeno respirar. E ainda tenho tanta coisa para viver com ele...

Se eu não desapego nem daquela calça que já não me serve, quem desistiria de ver o filho dormindo só mais uma vez?


Hoje eu escrevo para agradecer por a vida ter me tirado desse contato, embora eu adorasse aquelas crianças. Agradeço por ter tentado contato com o pequeno grupo aqui de Brasília, que tanto se acha mas ainda vai ver muitos dos seus pacientes fugindo para São Paulo, e ter desistido por não ter vocação para a bajulação. Não sei como seria viver tudo aquilo agora que sou mãe.

Pensando bem, prefiro nem saber.

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P.S.: Minha homenagem e um abraço de urso no querido André, lá de Poços de Caldas, que conheci aos dois anos. Ele venceu uma LLA e virou esse mocinho lindo. A família me localizou para me mandar a foto. Amo você e sua vovó Alzira!!


2 comentários:

  1. São nessas horas que eu penso que todas as doações que eu fiz e faço pro Boldrini tem um fundo egoísta que diz "um dinheiro que eu espero nunca utilizar".

    E vendo isso, eu lembro da semana passada. Estava indo na sede da Probairro pedir a escolta, quando vi um homem no meio da rua. Ele erguia as mãos pro céu e depois se abaixava, ficando de cócoras no meio do asfalto, soluçando como uma criança. E uma mulher se aproximava, fazia carinho e o beijava, mas nada fazia ele sair do meio da rua. Se fosse em um lugar qualquer, acharia que era um bêbado. Mas a sede da Probairro... é na frente do Boldrini. Então eu sabia de onde vinha essa dor.

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  2. Por já ser mãe quando passei no estágio lá no Boldrini é que eu nunca nem cogitei de ir pra essa área ... Cada caso que eu via , ecoava na minha mente : podia ser o meu filho . E parabenizo a todos que tem a coragem, força e sensibilidade de poder se doar a esses anjinhos com essas doenças tão difíceis.

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